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Noite de literatura japonesa e debate no Centro Cultural São Paulo

Por Claudia Ideguchi

A quinta-feira do dia 28 de março último estava mais fria que de costume, já indicando o outono que acabara de começar. Às 19h30 e quase embarcando no final de semana, o que o CCSP (Centro Cultural São Paulo) viu foram pessoas e mais pessoas chegando para acompanhar o encontro Literatura japonesa contemporânea - Desafios da tradução, panorama do mercado e tendências. Faltaram cadeiras. O espaço, que comporta muito mais gente, estava modesto, pois o dia estava frio e o assunto específico.

 

            Porém as pessoas continuavam a aparecer - pontuais, às 19h10 todos os lugares estavam ocupados - os estudantes de letras facilmente reconhecíveis com seus rostos juvenis (e um misto claro de obrigatoriedade e vontade) davam lugares para cabeças branquinhas que lá começavam a chegar. Público diverso. Os cabelos grisalhos não eram tantos, mas o suficiente para marcar uma porcentagem significativa dos ouvintes maduros; cabelos pretinhos de muitos descendentes e cabelos multicoloridos do público jovem, descendentes ou não, compunham a plateia aquela noite.

 

            Às 19h20 chegam mais cadeiras, o dobro. Todos sentam, a conversa começa no horário combinado. Conversa é maneira de dizer; o encontro tem cara de palestra misturada com aula e tudo bem. São apresentados os palestrantes/professores/maestros da noite: Rita Kohl, tradutora renomada (ganhou o Jabuti de tradução em 2018 por seu trabalho com Haruki Murakami), Lica Hashimoto, professora da USP e Angel Bojadsen, diretor editorial da Estação Liberdade (editora).

 

            O debate é fragmentado e não tem como não ser; três universos distintos, ainda que complementares, são apresentados: Angel explicou sobre as origens da Estação Liberdade, acrescentando a curiosa informação sobre o gosto pessoal dos diretores influenciar diretamente nos livros editados. Fãs de literatura japonesa estão editando livros para os demais interessados e isso por si só já traz uma sensação mais próxima entre a editora e seu público. Um dado importante é que de todo o catálogo da Estação Liberdade, somente 17% é focado em literatura nipônica; porém, 40% de todo o faturamento da empresa é oriundo da venda de livros dentro desse segmento, mostrando que o catálogo bem escolhido da editora vem dando resultado e impedindo 'encalhes', jargão utilizado para se referir a livros que ficam em estoque ou são devolvidos pelas livrarias por falta de vendas. A editora tem licença exclusiva para publicar as obras do mestre Yasunari Kawabata e conta em sua seleção com o famosíssimo Musashi, de Eiji Yoshikawa, publicado por aqui em um box com 3 volumes.

 

            A ideia da editora é continuar a publicar autores modernos como Yukio Mishima e Junichiro Tanizaki (Angel indica enfático a leitura de Diário de um Velho Louco), mas também começar a pincelar a contemporaneidade com livros que trazem como temática Tóquio como megalópole, a urbanidade dos tempos modernos e a eterna dicotomia tradição x modernidade. Para tanto, Angel está focando em quatro autoras: Banana Yoshimoto, Yoko Ogawa, Sayaka Murata e Hiromi Kawakami; mais vozes contemporâneas, mais vozes de mulheres em um catálogo quase sempre dominado por figuras masculinas. Treze obras já estão no prelo para serem publicadas, e a Estação Liberdade vai na contramão das demais editoras: publicando cada vez mais, focando em um público que apesar de específico, encontra-se cada vez maior e diverso.

 

A professora Lica deu continuidade à fala de maneira

bem didática, trazendo números para reflexão sobre

quem é o estudante de literatura japonesa da USP.

Mais de 300 alunos estão neste momento na

faculdade de letras; 70% deles não tem descendência

japonesa e sabem pouco ou nada da língua. Diferente

de gerações anteriores de alunos, que tinham interesse

em aprender o japonês para fins econômicos, os alunos

atuais já chegam na USP com certa bagagem cultural:

gostam de anime, mangá e jogos sim, mas também

se aprofundam nas bases dessas histórias e

acabaram encontrando vários autores literários

previamente. Isso faz com que o perfil desse aluno

seja de maior engajamento em literatura e cultura,

mais interesse em ficção e pensamento crítico,

trazendo questões para o universo acadêmico que

são importantes por serem oriundos de um novo

ponto de vista.                                                                                (da esquerda para direita: Lica Hashimoto,                                                                                                             Rita Kohl e Angel Bojadsen; foto: ABEJ)

 

            Tensionando essa mudança, o Departamento de Letras Orientais da USP traz em sua grade, um foco representativo na produção contemporânea e sua relação com as publicações clássicas japonesas. O foco da academia no momento é que os estudantes sintam vontade de seguir aprofundando e criando novas relações, ao invés de consumir sempre os mesmos autores e tipos de pensamento. Nesse ponto, o aumento de livros publicados e traduzidos no Brasil ajudam imensamente, o que nos levou para a fala da tradutora Rita.

 

            Kohl contou um pouco da sua trajetória de tradutora e atribuiu sua escolha de profissão por desde de o início ter um pensamento muito crítico sobre os textos que lia, sempre pensando de que modo determinada tradução poderia ser mais compreensível para o público brasileiro.

Em seu mestrado no Japão, estudou a tradução brasileira de Musashi e ao voltar ao Brasil começou a realizar trabalhos para a Estação Liberdade; Angel lhe deu as primeiras oportunidades de tradução e com isso ela foi aprendendo a traduzir.

 

            Durante sua pesquisa e posterior trabalho, Rita percebeu que a tradução sempre vai ter alguma perda, que não existe uma tradução correta; é preciso ter um desapego grande para conseguir traduzir um texto. Isso porque, principalmente em uma língua como a japonesa, na qual existem ideogramas com sentidos amplos e dificilmente traduzíveis, é necessário um trabalho interpretativo e de edição intenso; ela também falou sobre o entendimento do que é necessário manter para não prejudicar o ritmo da leitura e não lotar o leitor com diversas notas de rodapé por capítulo. Na visão dela, é importante encarar que o livro está alí enquanto obra a ser fruída e não necessariamente um livro teórico sobre cultura. 

 

            O público foi bastante participativo nas perguntas, e o tempo destinado para a interação acabou sendo curto. Em vista disso, a ABEJ teve a oportunidade de fazer uma rápida entrevista com os três convidados do encontro, aprofundando alguns pontos abordados pelos palestrantes.

A professora Lica deu continuidade à fala de maneira bem didática, trazendo números para reflexão sobre quem é o estudante de literatura japonesa da USP. Mais de 300 alunos estão neste momento na faculdade de letras; 70% deles não tem descendência japonesa e sabem pouco ou nada da língua. Diferente de gerações anteriores de alunos, que tinham interesse em aprender o japonês para fins econômicos, os alunos atuais já chegam na USP com certa bagagem cultural: gostam de anime, mangá e jogos sim, mas também se aprofundam nas bases dessas histórias e acabaram encontrando vários autores literários previamente. Isso faz com que o perfil desse aluno seja de maior engajamento em literatura e cultura, mais interesse em ficção e pensamento crítico, trazendo questões para o universo acadêmico que são importantes por serem oriundos de um novo ponto de vista.

As tradutoras e o editor concederam entrevista à ABEJap. Acesse aqui

 

 

           

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